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1º Prêmio de fotografia | Adelina instituto
O que pode uma imagem? Sem dúvida, muita coisa. Ao percorrer as centenas de trabalhos que chegaram a este prêmio, tivemos uma boa amostra da consciência crítica e das transformações que as imagens reivindicam no âmbito dos saberes, da política, da memória e das linguagens artísticas. Vemos que são muitas as potências da imagem. Mas são igualmente tantas suas conivências com o poder.
Não existe um limite claro entre idealização e ideologia. Quando a imagem consolida seus modos ideais de exibir os corpos, ela reafirma normas que pesam sobre suas aparências, gestos e comportamentos. Ao categorizar, classificar, atribuir papéis, a pose modela aquilo que representa. Ela coloniza, disciplina, mutila, assim como exclui e invisibiliza o que não responde a seu enquadramento.
Encontramos em muitos dos trabalhos inscritos o esforço de tensionar essas diferentes faces da imagem, de enfrentar com suas potências críticas os pactos que ela faz com o poder. Como matéria viva, a imagem está sempre pronta a reconfigurar-se e a inconformar-se. Basta despir o olhar de sua obediência para enxergar o equilíbrio precário que sustenta essas poses idealizadas. Há muitos movimentos e vozes latentes na imobilidade e no silêncio das imagens. De modos diversos, os trabalhos escolhidos como finalistas são aqueles que convidam a essa descoberta.
Reconhecendo no imaginário que os cerca dores históricas que ainda latejam em seus corpos, Malu Teodoro, Laíza Ferreira e Felipe Camilo, artistas cujos trabalhos foram premiados, recorrem à fotografia para repensar suas heranças, tanto as que receberam quanto aquelas que deixarão para as próximas gerações. Malu reproduz com a linha que perfura a superfície da imagem violências que atravessam esse corpo impactado por dentro e por fora pela maternidade. Os olhares ocultados nas montagens de Laíza ou as vidas interrompidas nos relatos de Felipe dialogam entre si: ambos dão contorno a uma longa história de invisibilidades que não apenas esgarçam os fios de suas ancestralidades, como também anestesiam a pele para as violências que se perpetuam. Nesses três trabalhos, tempos diversos se sobrepõem: a vivência das origens, assim como a da gestação de uma nova vida, insere suas existências num ciclo de vida e de morte a ser enfrentado todos os dias.
Para manejar essa realidade tão cheia de fraturas, são necessárias operações que reconfiguram radicalmente a pose: desmontagens, remontagens, sobreposições, suturas, reinvenções da técnica e intervenções ostensivas de outras imagens e outras linguagens, gestos que resinificam os papéis atribuídos aos corpos pelo álbum de família, pela iconografia científica, pelo fotojornalismo ou pelos registros de identificação policial.
Esse resultado reflete a vocação do Prêmio de Fotografia do Adelina Instituto de acolher vivências artísticas atravessadas de formas amplas pela fotografia. Nesta primeira edição, o prêmio recebeu 640 inscrições que atestam a qualidade e a diversidade da produção fotográfica brasileira. O júri, formado pela artista Aline Motta, pela curadora Cecília Bedê e por mim, Ronaldo Entler, elegeu 12 finalistas, dentre os quais, os três trabalhos premiados. Foram colocadas como questões iniciais a consistência da pesquisa em que o trabalho se insere, a qualidade e a coesão dos resultados apresentados e a relevância da produção para a construção de uma visão crítica do presente. Mais do que apontar tendências e hierarquizar valores estéticos, o prêmio se propôs a oferecer uma escuta às inquietações e urgências que foram se configurando no conjunto de trabalhos recebidos.
Ronaldo Entler